Ovacionado, nos braços do povo e eternizado, como o outro “Diez”. Foto: Fifa/Twitter.
Como alguém se torna imortal? À parte dos deuses, o único caminho parece ser o da excelência diante do mundo, por anos e anos, com os limites superados a cada nova prova e com a genialidade expressa a qualquer outra pessoa, gerando uma admiração que jamais se apagará, perdurando após a própria vida. A imortalidade através da admiração. Em algo tão restrito na humanidade, poucos chegaram a tanto, indo além das façanhas, do heroísmo, do mito. O esporte, pela paixão que desperta, é um desses caminhos. E o caminho é longo.
É preciso ser o melhor jogador entre tantos outros por mais de 10 anos, com quase 800 gols marcados, tantos com a sua assinatura, misturando a habilidade e a precisão a partir do seu pé esquerdo, e outros através da sua visão de jogo, casas à frente dos demais. Isso sem perder a humildade. É preciso vencer, convencer, vencer de novo e vencer tudo. Aos 35 anos, após 18 temporadas na carreira, Lionel Messi completou o ciclo. A esta altura, já não bastava “só” erguer a Taça Fifa. Era preciso mostrar a todos que este troféu o esperava há tempos.
O roteiro da vida dedicada ao futebol
Em cinco Copas disputadas, o argentino viveu de quase tudo, inclusive a maior dor, com o vice em 2014. Mesmo ali, foi eleito o melhor. Contudo, aquela Bola de Ouro não o consolou, pois a premiação individual já não o contemplava mais. Cabia a ele ser e representar o seu país. Mais experiente, o craque passou a dimensionar melhor essa responsabilidade. Jogando, verbalizando, liderando e definindo. Com isso, após a longa espera, a Argentina voltou a conquistar a Copa do Mundo. O tri demorou mesmo, 36 anos, mas chegou.
Demorou tanto porque era preciso ter um novo imortal no país. Depois do encanto de Maradona no México, que, veja só, ainda segue e seguirá entre nós, da forma como o futebol o moldou, veio o encanto no Catar. Veio num futebol globalizado, visto por bilhões, com “b” de bola mesmo, num jogo gigantesco antes de esta bola rolar. Era Argentina x França, valendo um novo tricampeão. Era Messi x Mbappé, entre o melhor até então e o melhor daqui pra frente. Em campo, tudo isso foi além do roteiro imaginado, com uma das melhores finais da história. Que eu tenha visto, e já conto mais de 30 anos, foi a melhor disparada.
A insanidade em 120 minutos
Da vitória categórica dos hermanos no 1º tempo, com gols de Messi, de pênalti, e Di María, num contragolpe, à reação incrível dos bleus com Kylian Mbappé marcando aos 35 e 36 do 2º tempo. Na prorrogação, num lá e cá insano em um embate de peito aberto, com tática, técnica, preparo físico e muito coração, Messi colocou a Argentina de novo à frente e a França empatou outra vez com o seu companheiro no PSG, 3 x 3. O último hat-trick numa final havia sido há 56 anos, com o autor, o inglês Geoffrey Hurst, ficando com o troféu. Então, como não imaginar que o dia parecia destinado a Mbappé? Um destruidor de recordes aos 23 anos, ávido pela glória e encampado por ela por 120 minutos.
Ocorre que, no esporte, a imortalidade não ocorre no prólogo, mas no epílogo. Como Pelé e a posse definitiva da Taça Jules Rimet em 1970, as notas perfeitas da ginasta Nadia Comaneci em 1976, as enterradas de Michael Jordan, especial mesmo num “dream team”, os 23 ouros quase inalcançáveis do nadador Michael Phelps ou o tricampeonato olímpico do velocista Usain Bolt, que dominou com folga os 100m e os 200m diante de incontáveis flashes nas pistas de atletismo. São divisores da história, do antes e do depois. Por vezes ainda há um capricho histórico, com algumas nuances ocorrendo além das próprias forças, como foi a defesa do goleiro Martínez no último lance da prorrogação, cara a cara.
A resiliência de um e de todos os argentinos
Ainda que parecesse solícito à causa francesa, o destino já estava traçado. Sempre esteve. A vitória albiceleste nos pênaltis, com Montiel fechando o 4 x 2, concluiu também a jornada de Lionel, um adolescente baixinho que saiu de Rosário e atravessou o Atlântico para se submeter a um tratamento hormonal, num crescimento que só ocorreu graças ao raro talento descoberto logo cedo pelo Barcelona. Com o futebol, ganhou tudo na vida e agora ganhou a todos também, o que é algo ainda maior, definitivo.
Parabéns à seleção da Argentina por tamanha resiliência no Mundial de 2022, cabisbaixa diante dos árabes e em êxtase neste 18 de dezembro, com a 3ª estrela dourada. Quanto a Messi, fica o obrigado. Afinal, foi um prazer acompanhar, como tantos aficionados mundo afora, o passo a passo de um dos maiores nomes do futebol. O maior? Se hoje há discussão, de fato, é porque a história escrita no Lusail foi mesmo enorme…
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Ranking de títulos da Copa do Mundo
5 vezes – Brasil (1958, 1962, 1970, 1994 e 2002)
4 vezes – Itália (1934, 1938, 1982 e 2006)
4 vezes – Alemanha (1954, 1974, 1990 e 2014)
3 vezes – Argentina (1978, 1986 e 2022)
2 vezes – Uruguai (1930 e 1950)
2 vezes – França (1998 e 2018)
1 vez – Inglaterra (1966)
1 vez – Espanha (2010)
Os 23 títulos oficiais da Argentina
3 Copas do Mundo (1978, 1986 e 2022)
1 Copa das Confederações (1992)
2 Finalíssimas Conmebol/Uefa (1993 e 2022)
15 Copas América (1921, 1925, 1927, 1929, 1937, 1941, 1945, 1946, 1947, 1955, 1957, 1959, 1991, 1993 e 2021)
2 medalhas de ouro nas Olimpíadas (2004 e 2008)
Após 20 anos, a América do Sul volta a consagrar o campeão mundial de futebol. Eis a galeria.
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Parabéns, Argentina! Campeã da #CopadoMundoFIFA pic.twitter.com/qCNNaxzKxa
— Copa do Mundo FIFA (@fifaworldcup_pt) December 18, 2022