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Eurico Miranda foi um dos maiores personagens da cartolagem do futebol brasileiro, em décadas. E em todos os sentidos possíveis, sendo amado e odiado dentro do seu próprio clube, o Vasco. Indo além de São Januário, inúmeros episódios nos bastidores para alavancar o futebol à sua forma, ao seu espírito – e isso, reforçando, não é exatamente um elogio.

Vítima de um câncer no cérebro, Eurico morreu aos 74 anos. Polêmico, deixou um legado do que fazer e do que não fazer enquanto dirigente. No Vasco, foi presidente em dois períodos entre 2003 e 2017, além de ter sido vice com cara de presidente, tamanha personalidade. Entre as principais conquistas, obteve dois títulos brasileiros (1997 e 2000) e uma Taça Libertadores (1998, no ano do centenário cruz-maltino).

Aqui, volto ainda mais no tempo para relembrar uma passagem importantíssima de Eurico Miranda para o futebol brasileiro – independentemente da forma como você analisa essa situação. Compartilho aqui um trecho do capítulo 7 do livro “1987 – De fato, de direito e de cabeça”, que escrevi com o amigo e jornalista André Gallindo. Coube a Eurico a posição do Clube dos 13 acerca da oficialização do cruzamento entre os módulos amarelo e verde do Campeonato Brasileiro de 1987, antes do início da competição.

O cruzamento dos dois principais módulos da competição (seriam quatro, com o Azul e o Branco) foi discutido bem antes do início da Copa União. Em 23 julho, apenas 12 dias após a fundação do Clube dos 13 e 49 dias antes do início do campeonato, a CBF apresentou a sua proposta: uma competição com os dois módulos, 16 times em cada, e o quadrangular decisivo entre campeão e vice dos grupos. Estava oficialmente abandonado o discurso de que a entidade não realizaria o Brasileirão de 1987 por falta de recursos. As declarações de Octávio Pinto Guimarães, que serviram de estopim para a criação do Clube dos 13, perderam o efeito em apenas duas semanas.

(…)

O Clube dos 13 resolvia um desejo futuro, mas precisava participar da solução do presente, sobre 1987. Aceitar ou não os moldes propostos pela CBF?

A confederação, àquela altura, já divulgara a série de retaliações em quem disputasse uma competição sem a anuência da entidade. Não fornecer súmulas, nem árbitros, barrar as transferências internacionais, denunciar os clubes à Fifa.

O flamenguista Márcio Braga defendia ignorar as ameaças.

“Eu diria a palavra clássica e digo até hoje: foda-se! Mas não vai ter súmula? Foda-se. Não vai ter tribunal? Foda-se. E daí?”

Mas as ameaças geraram dúvidas em alguns integrantes do Clube dos 13. O ex-presidente do Grêmio, Paulo Odone, revela bastidores daqueles dias.

“Nós resolvemos fazer outro campeonato, contratando juízes e árbitros aposentados. Tínhamos os patrocinadores, o apoio da Rede Globo. Mas havia aflição de alguns presidentes. ‘Será que dava para afrontar?’. O presidente do Internacional me ligou, Gilberto Medeiros, a uma da manhã: ‘vem cá, será que não estamos entrando numa coisa mais festiva, de carioca?’ Ligavam da CBF para o Cruzeiro: ‘Olha, cuidado, isso é uma loucura que se está fazendo. Isso é uma coisa do Márcio, do Odone. A Fifa não vai aceitar isso, o risco é muito grande, perder os atletas’.”

Sob pressão da CBF, de federações, o Clube dos 13 mandou seu representante para a reunião decisiva (em 8 de setembro, três dias antes de Palmeiras x Cruzeiro, o jogo de abertura): Eurico Miranda, então vice-presidente da entidade e de futebol do Vasco. Eurico tinha a anuência dos seus pares para levar à cabo a proposta do Clube dos 13.

“Nessa reunião definitiva na sede da CBF, eu fui representando o Módulo Verde, o Clube dos 13. Lá chegando, fui levar a proposta de que não teria cruzamento. E o impasse ficou criado.”

Representantes dos demais clubes se queixaram, Nabi elevou o tom, o presidente da Federação Gaúcha, Rubens Hoffmeister, adotou postura conciliatória.

Eurico entendeu que deveria ceder.

“Discussão pra cá, pra lá. Não ia se realizar a Copa União. Se a CBF não autoriza, a Fifa não reconhecia. E não ia ter a competição. Todos os presidentes que integravam o Clube dos 13 sabiam, todos. Aceitei o cruzamento, viabilizei a competição. Como eu acho que o mais importante era a disputa da competição, eu concordei em se disputar e que tivesse o cruzamento. Se eu não aceitasse, a Copa União não teria valor, seria uma competição pirata.”

Para os líderes do Clube dos 13, entre eles o gremista Paulo Odone, houve traição.

“Os outros dirigentes tinham que voltar para os seus estados, o pessoal do Rio (Flamengo, Fluminense e Botafogo) tinha compromissos. Então, delegou-se a Eurico Miranda a função de ir lá na CBF acertar lá os detalhes finais. Eurico era muito amigo de Nabi Abi Chedid (vice da CBF) que o convenceu a um cruzamento no final. E Eurico assinou isso por nós, tava delegado por nós, mandado por nós pra fazer isso. Ele assinou, mas nós não gostamos disso daí.”

O presidente do Flamengo, Márcio Braga, detonou.

“O Vasco já entra traindo com Eurico Miranda. Tudo armado pelo grande cabeça disso tudo, Eduardo Viana, o Caixa D’Água, presidente da Federação Carioca, que era muito ligado ao Eurico. Quem fez o cruzamento foi a CBF para realizar a competição que eles organizaram. Nós (Copa União) não temos nada com isso! Eurico fez merda como fez a vida inteira, porra.”

O resto é história.

Eurico Miranda foi entrevistado duas vezes para o livro, a segunda em 30 de março de 2017, com uma gravação de 42 minutos. Acima, o registro em seu gabinete, em São Januário…


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