O gráfico com a evolução das receitas e das pendências do leão de Salvador nos últimos 7 anos.
Outrora figura recorrente na Série A, o Vitória entrou numa espiral negativa que vem levando o clube a um de seus piores momentos. Em termos financeiros, numa comparação com 2016, no seu auge econômico, quando faturou R$ 111 milhões, o desempenho em 2021 deixa o clube com “incerteza relevante relacionada com a continuidade operacional”, nas palavras das auditoria independente que examinou as contas do rubro-negro.
Por sinal, esse pente-fino resultou até numa “reapresentação” dos números de 2020, com ajustes importantes no balanço. Começo logo pelo passivo do clube, porque trata-se de uma nova realidade, que precisa ser enfrentada imediatamente. E neste caso não é força de expressão, pois o “passivo circulante”, com as pendências executáveis em até doze meses, saíram do controle na prática, subindo de R$ 71,0 milhões para R$ 160,5 milhões, ou +125%. Problema gerado sobretudo pelo atraso nas obrigações tributárias (+62,5 mi) e sociais (+34,9 mi). Isso fez com que as dívidas de longo prazo, presentes no “passivo não circulante”, fossem convertidas em curto prazo.
Portanto, embora o “passivo não circulante” tenha caído, o motivo não foi nobre. Com encargos, multas e novas pendências, a soma dos dois passivos quebrou o recorde. Pra quem não acompanha as publicações do blog, vale lembrar que o último demonstrativo contábil, ainda com Paulo Carneiro no comando executivo, trouxe um passivo de R$ 165,7 milhões, que já era o maior da história do clube baiano. A revisão daquele número elevou o montante para R$ 239,2 mi, com a situação ainda mais delicada em 31 de dezembro de 2021, quando alcançou R$ 272,2 milhões, sendo 58% no curto prazo. Na temporada anterior este percentual era de 29%. E aí vamos ao segundo problema, com o desequilíbrio entre receitas e despesas.
Inadimplência e saldo negativo no ano
O Vitória vem negativando na subtração acima há cinco anos. E o déficit, como é chamado, aumentou. Ainda em 2020, o resultado vermelho de R$ 10,4 milhões na verdade foi quase o dobro, R$ 20,6 mi. Pior. Já em 2021, ano em que ficou mais uma vez de fora da semifinal do Baiano e acabou rebaixado à Série C, o Leão da Barra registrou um déficit de R$ 42,3 milhões. Num comunicado oficial do presidente em exercício, Fabio Rios, a explicação está basicamente em “três fatos contábeis registrados no exercício, todos eles em função do não pagamento de obrigações tributárias, cíveis e trabalhistas vencidas ao longo de 2021”.
No caso, com a inadimplência no Profut junto à Receita Federal e à Procuradoria da Fazenda Nacional, com pagamento parcial desde 2017. Impacto de R$ 3,2 mi. Também com o não pagamento de parcelas vencidas de IPTU, chegando a R$ 24,9 mi. E questões judiciais de R$ 15,0 mi. A nota termina citando um cenário no qual “sem os efeitos desses registros” o resultado contábil seria positivo, de R$ 943 mil. Na prática, não tem como ignorar. Nem em 2022, com credores batendo na porta do Barradão nem que seja para buscar novos acordos.
Clube teve receita acima da média na Série B
O curioso disso tudo é que o Vitória teve uma receita operacional acima da média na última Segundona, com R$ 61 milhões ao todo – o que só mostra que o histórico contábil estrangulou o caixa em 2021. Deste valor, o clube utilizou apenas R$ 15,4 mil com o futebol profissional, R$ 2,4 mi com a base (que ganhou o Nordestão da categoria) e R$ 2,0 mi com o administrativo. Sobre o novo balanço, enxergando também algo positivo, vale destacar que o Vitória, apesar de toda crise institucional, segue tendo um ótimo mercado na transação de atletas. Em 2021 o clube ganhou R$ 21 milhões com a venda dos direitos econômicos de Diego Rosa, Pedro Henrique, Pablo Silles e Wendell. Foi uma evolução de R$ 17,4 milhões sobre o ano anterior.
Antigo Vitória S/A agora é Vitória de fato
O balanço também cumpriu uma demanda antiga do conselho fiscal. Após 17 anos, juntaram as contas do “Esporte Clube Vitória” e do “Vitória S/A”, entidade criada em 1998 e encerrada em 2004, mas que ainda teria uma dívida de R$ 35 milhões com a União. Além disso, o clube voltou a detalhar os valores de frentes importantes para a análise, como direitos de transmissão, que geraram R$ 10 milhões em 2021 e devem render bem menos em 2022.
Inclusive é o diagnóstico apontado pela RSM Auditoria: “em razão do descenso às Série B, em 2018, e Série C, em 2021, e consequente queda de receita de contratos televisivos em conjunto com outros fatores, o clube diminuiu expressivamente sua capacidade de geração de caixa nos últimos três anos, o que dificultou o cumprimento de seus compromissos financeiros de curto e médio prazos”. O balanço sobre 2021 foi divulgado em 27 de abril de 2022. E até esta data, em campo, o Vitória pouco fez para mudar isso…
Abaixo, um comparativo com quatro frentes importantes na composição da receita no futebol profissional, presentes nos últimos cinco balanços do Vitória – e as respectivas séries no BR.
Direitos de transmissão na TV
2017 (A) – R$ 50.678.045
2018 (A) – R$ 48.563.000 (-4%; -2,1 mi)
2019 (B) – R$ 7.835.000 (-83%; -40,7 mi)
2020 (B) – R$ 6.732.000 (-14%; -1,0 mi)
2021 (B) – R$ 10.284.000 (+52%; -3,5 mi)
Quadro de sócios e premiações*
2017 (A) – não divulgado
2018 (A) – R$ 11,7 milhões
2019 (B) – R$ 14,0 milhões
2020 (B) – R$ 13,4 milhões
2021 (B) – R$ 14,0 milhões
* Ao contrário dos outros clubes, o Vitória soma os sócios-torcedores às premiações e loterias.
Renda nos jogos
2017 (A) – R$ 4.270.159
2018 (A) – R$ 3.394.000 (-20%; -0,8 mi)
2019 (B) – R$ 2.174.000 (-35%; -1,2 mi)
2020 (B) – R$ 619.000 (-71%; -1,5 mi)
2021 (B) – R$ 337.000 (-45%; -0,2 mi)
Patrocínio/Marketing
2017 (A) – R$ 5.689.619
2018 (A) – R$ 6.469.000 (+13%; +0,7 mi)
2019 (B) – R$ 1.119.000 (-82%; -5,3 mi)
2020 (B) – R$ 3.229.000 (+188%; +2,1 mi)
2021 (B) – R$ 2.787.000 (-13%; -0,4 mi)
A seguir, o histórico de receitas do Vitória, com apenas um faturamento acima de R$ 100 milhões nos últimos onze anos. No último ano, o rival Bahia apurou R$ 147,5 milhões a mais que o clube. Lembrando que o leão lançou um orçamento de apenas R$ 29 milhões para 2022.
Faturamento anual do Vitória (receita total)
2011 (B) – R$ 34.200.000
2012 (B) – R$ 52.303.000 (+52%; +18,1 mi)
2013 (A) – R$ 65.101.000 (+24%; +12,7 mi)
2014 (A) – R$ 61.835.000 (-5%; -3,2 mi)
2015 (B) – R$ 52.280.000 (-15%; -9,5 mi)
2016 (A) – R$ 111.976.212 (+114%; +59,6 mi)
2017 (A) – R$ 88.071.107 (-21%; -23,9 mi)
2018 (A) – R$ 87.013.000 (-1%; -1,0 mi)
2019 (B) – R$ 53.010.000 (-39%; -34,0 mi)
2020 (B) – R$ 39.539.000 (-25%; -13,4 mi)
2021 (B) – R$ 61.104.000 (+54%; +21,5 mi)
Resultado do exercício (superávit/déficit)*
2011 (B): +229.000
2012 (B): +204.000
2013 (A): +531.000
2014 (A): +268.000
2015 (B): -7.607.000
2016 (A): +25.912.546
2017 (A): -59.845.190
2018 (A): -4.804.000
2019 (B): -1.831.000
2020 (B): -20.604.000
2021 (B): -42.320.000
* O saldo da subtração da receita líquida pela despesa anual
Evolução do passivo acumulado do clube (circulante + não circulante)
2011 (B) – R$ 10.441.000
2012 (B) – R$ 57.809.000 (+453%; +47,3 mi)
2013 (A) – R$ 59.376.000 (+2,7%; +1,5 mi)
2014 (A) – R$ 64.612.000 (+8%; +5,2 mi)
2015 (B) – R$ 76.475.687 (+18%; +11,8 mi)
2016 (A) – R$ 66.734.271 (-12%; -9,7 mi)
2017 (A) – R$ 109.221.000 (+63%; +42,4)
2018 (A) – R$ 143.110.000 (+31%; +33,8 mi)
2019 (B) – R$ 144.398.000 (0,9%; +1,2 mi)
2020 (B) – R$ 239.236.000 (+65%; +94,8 mi)
2021 (B) – R$ 272.288.000 (+13%; +33,0 mi)
Leia mais sobre o assunto
O relatório financeiro do Vitória sobre 2021, com auditoria independente da RSM Brasil