A taça do Leão da Ilha pelo título do Campeonato Brasileiro de 1987. Foto: Anderson Freire/Sport.
O Campeonato Brasileiro de 1987 é a edição mais polêmica da história, de fato. Ainda assim, há um desfecho histórico, com a conquista do Sport no campo e uma batalha na Justiça Comum que encerrou a discussão em 16 de abril de 2001. Naquele dia, dentro das normas jurídicas do nosso país, acabou qualquer chance de contestação sobre o caso transitado em julgado a favor do clube pernambucano. Por isso, é um tanto surpreendente que, quase 40 anos depois, o Supremo Tribunal Federal, a instância máxima e geralmente afeita a matérias constitucionais, tenha votado o caso. Diga-se de passagem que foi a segunda vez. O STF já havia definido a exclusividade do Sport em 2017, quando rechaçou a possibilidade de dois campeões. Agora, em 2024, em outra ação, mais uma vez os ministros deram os seus votos.
O imbróglio jurídico sobre o título de 1987 é mesmo extenso. Nesta publicação, tentei resumir as quatro ações na Justiça Comum, duas delas iniciadas pelo Sport e duas pela Flamengo. Esta última, ingressada pelo clube carioca, havia começado há 12 anos! O caso, que tinha como objetivo a posse da “Taça das Bolinhas”, numa decisão que teria influência sobre o vencedor de 87, passou pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 2012 a 2018, no Superior Tribunal de Justiça, de 2019 a 2022, e no Supremo Tribunal Federal, de 2022 a 2024.
Na “primeira fase” desta ação, na esfera estadual, o acórdão que negou o pedido do Fla disse o seguinte: “(…) Assim, o reconhecimento, em definitivo, do Sport Club do Recife como único campeão legítimo do torneio brasileiro de futebol 1987, conduz à inexorável improcedência do pedido formulado na ação principal, daí por que não merece prosperar a irresignação recursal.” Na ocasião, o texto foi assinado pelo desembargador Carlos Eduardo da Fonseca. Ao todo, foram três votações no TJ do Rio. Lá, houve apenas um voto contrário, que na prática serviu só para corrigir um erro material, com a nova votação sendo unânime.
Ao chegar no STF, em dezembro de 2023, o ministro Dias Toffoli disse que “a análise dessas questões para superar as conclusões adotadas pela Corte de Origem não prescinde do reexame dos regulamentos dos campeonatos brasileiros de futebol de 1975 a 1992”, o período de disputa da Taça das Bolinhas – que saiu de cena em 1993 devido à confusão. Seis meses depois, a Segunda Turma do STF formou maioria para negar provimento ao recurso do Flamengo. Consequentemente, definiu o Sport como único campeão de 1987 e o São Paulo como primeiro pentacampeão a partir de 1971. Relator do processo, Toffoli manteve o voto na abertura da decisão colegiada, em 10 de maio. Uma semana depois, no fim da sessão virtual, foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e André Mendonça. Com o 3 x 0, o caso foi decidido antes mesmo dos votos de Gilmar Mendes e Nunes Marques.
Passado mais um capítulo de “87”, vamos à cronologia desde que a bola parou de rolar…
Primeiro caso na Justiça (ação original)
O Sport venceu o Guarani por 1 x 0 em 7 de fevereiro de 1988. Com o gol de cabeça de Marco Antônio, o time pernambucano ergueu a Taça das Bolinhas na Ilha do Retiro. Três dias após a conquista do título brasileiro de 1987, o Sport entrou com uma ação declaratória na Justiça Comum, tendo o objetivo de ratificar o regulamento oficial da competição – a Justiça determinara a necessidade de votação unânime no Conselho Arbitral para excluir o quadrangular final, e não houve unanimidade. O clube ingressou na Justiça Federal, com o mérito do caso sendo julgado na 10ª Vara, no Recife. E o resultado foi favorável ao Sport. O caso seguiu para as instâncias seguintes, no Tribunal Regional Federal (TRF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ), sempre com decisões monocráticas e sem mudanças no mérito. Ao todo, o caso durou 11 anos, de 1988 até 1999. Ainda foi preciso esperar mais dois anos do prazo para apresentação de alguma evidência contrária. Esse prazo expirou em 2001 e a sentença tornou-se definitiva. Link: ação no site do STJ.
- 07/02/1988 – Último jogo do quadrangular final do Brasileiro de 87: Sport 1 x 0 Guarani
- 10/02/1988 – Sport entrou com ação declaratória pedindo o reconhecimento do título
- 02/05/1994 – Sport venceu na 10ª Vara da Justiça Federal do Recife (juiz Élio Wanderley)
- 24/04/1997 – Sport venceu no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (juiz Abdias Patrício)
- 23/03/1999 – Sport venceu no Superior Tribunal de Justiça (ministro Waldemar Zveiter)
- 16/04/1999 – Caso transitado em julgado a favor do Sport
- 16/04/2001 – Fim do prazo para uma ação rescisória
Segundo caso na Justiça (após ato da CBF)
Em fevereiro de 2011, o então presidente da CBF, Ricardo Teixeira, assinou a Resolução da Presidência 02/2011, que “dividiu” o título brasileiro de 1987 entre Sport e Flamengo. O ato administrativo ignorou a resolução judicial original, que já tinha 10 anos sem possibilidade de revisão. Assim, o Sport ingressou com uma nova ação na Justiça Federal. A resposta saiu três meses depois e foi favorável ao clube do Recife, com Teixeira tendo que assinar a Resolução da Presidência 06/2011 e declarar o Sport como único campeão. A partir dali, coube ao Flamengo recorrer para tentar manter da decisão administrativa da CBF. Primeiro, o caso foi julgado por cinco ministros do STJ. Depois chegou pela primeira vez ao Supremo Tribunal Federal. No STF, o “Recurso Extraordinário 881864” passou por três decisões, uma monocrática e duas votações. Todas foram favoráveis ao Sport. Ao todo, o caso durou 6 anos. Link: ação no site do STF.
- 21/02/2011 – Decisão administrativa da CBF declarou dois campeões em 1987
- 01/03/2011 – Sport entrou com ação pedindo a anulação do ato administrativo da CBF
- 27/05/2011 – Sport venceu na 10ª Vara da Justiça Federal (juiz Edvaldo Batista)
- 12/07/2012 – Sport venceu no TRF da 5ª Região (Primeira Turma, votação unânime)
- 04/11/2013 – Tribunal Regional Federal enviou o caso ao Superior Tribunal de Justiça
- 08/04/2014 – Sport venceu votação no STJ (Terceira Turma, 4 x 1)
- 11/04/2015 – STJ enviou o caso ao Supremo Tribunal Federal
- 04/03/2016 – Sport venceu no STF (ministro Marco Aurélio Mello)
- 18/04/2017 – Sport venceu agravo no STF (Primeira Turma, 3 x 1)
- 05/12/2017 – Sport venceu embargo no STF (Primeira Turma, 3 x 0)
- 16/03/2018 – Caso transitado em julgado a favor do Sport
- 16/03/2020 – Fim do prazo para uma ação rescisória
Terceiro caso na Justiça (pedido de equiparação)
Em dezembro de 2018, apenas um ano após a conclusão do caso anterior, o Flamengo entrou com uma ação declaratória no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Mirando a CBF, o processo de nº 0286338-58.2018.8.19.0001 continha basicamente a mesma defesa na ação anterior, querendo a equiparação do Módulo Verde ao Módulo Amarelo, com o entendimento de duas competições distintas – como se sabe, os dois módulos formaram o Campeonato Brasileiro, que teve 32 clubes, com o Sport vencendo o quadrangular final que cruzou esses dois módulos. Essa foi a ação mais rápida das quatro. Durou apenas nove meses, pois o Flamengo desistiu ao ficar satisfeito com a afirmação feita pela CBF em sua participação no tribunal. No caso, a entidade reconheceu o time carioca como o campeão do Troféu João Havelange, o prêmio oficial do Módulo Verde – embora isso jamais tenha sido contestado por ninguém. Link: ação no site do TJ-RJ.
- 04/12/2018 – Flamengo entrou com ação pedindo equiparação dos módulos amarelo e verde
- 25/06/2019 – CBF contestou ação no Tribunal de Justiça do Rio e reafirmou título do Sport
- 08/08/2019 – Fla desistiu da ação após reconhecimento da CBF sobre o Troféu João Havelange
- 24/09/2019 – Sentença homologou a desistência da ação
- 27/02/2023 – Caso arquivado em definitivo
Quarto caso na Justiça (Taça das Bolinhas)
Paralelamente ao caso Sport x Flamengo, de 2011, ocorreu também o caso Flamengo x CBF/São Paulo. Em 2012, o rubro-negro carioca entrou com uma ação no Tribunal de Justiça do Rio, de nº 0255934-34.2012.8.19.0001, para receber a “Taça das Bolinhas”, instituída na década de 1970 e que seria dada ao primeiro campeão brasileiro por três anos seguidos ou em cinco alternados. Considerando 1987 pra si, o Fla queria o troféu após o “quinto” título em 1992. De fato, essa foi a segunda ação na cronologia, mas acabou sendo apenas a quarta a ter uma decisão final. Essa ação envolveu o São Paulo porque o clube paulista chegou ao penta em 2007, sendo o primeiro time com cinco títulos oficiais – ainda não havia tido a unificação dos títulos pré-1971. Esse foi, de longe, o caso a ser apreciado mais vezes, ainda que só agora, na reta final, tenha tido mais repercussão. Ao todo, o Flamengo perdeu cinco votações somando as três instâncias, fora as decisões monocráticas. Chegando ao Supremo Tribunal Federal pela segunda vez, agora pelo “Recurso Extraordinário com Agravo 1416874”, o caso negado duas vezes, por um ministro e também numa sessão virtual, com o 3 x 0 inicial sendo suficiente para rechaçar o pleito do Fla. Link: ação no site do STF.
- 09/07/2012 – Flamengo entrou com ação no TJ do Rio para obter a Taça das Bolinhas
- 06/04/2016 – TJ-RJ suspendeu a ação até ter a resposta do STF sobre o caso 881864
- 16/03/2018 – O caso 881864, que estava no STF, foi transitado em julgado
- 02/05/2018 – Flamengo teve pedido negado no TJ-RJ (votação unânime)
- 23/05/2018 – Provimento parcial do recurso do Fla para corrigir erro material
- 13/06/2018 – Flamengo teve embargo negado no TJ-RJ (votação unânime)
- 21/08/2019 – TJ-RJ enviou o caso ao Superior Tribunal de Justiça
- 25/09/2019 – Flamengo teve recurso negado no STJ (ministro João Otávio de Noronha)
- 14/04/2020 – Flamengo teve embargo negado no STJ (ministro João Otávio de Noronha)
- 24/08/2021 – Flamengo teve agravo negado no STJ (ministra Maria Isabel Gallotti)
- 21/02/2022 – Flamengo teve agravo negado no STJ (Quarta Turma, 0 x 5)
- 14/11/2022 – Flamengo teve embargo negado no STJ (Quarta Turma, 0 x 5)
- 19/12/2022 – STJ enviou o caso ao Supremo Tribunal Federal
- 06/12/2023 – Flamengo teve recurso negado no STF (ministro Dias Toffoli)
- 17/05/2024 – Flamengo teve agravo negado no STF (Segunda Turma, 0 x 5)
Após duas dezenas de decisões judiciais com o mesmo desfecho, ainda cabe discussão sobre o campeão nos tribunais? Mesmo com o tema esgotado, há a possibilidade de um recurso para ser votado no Plenário do STF, com mais ministros do STF envolvidos. A conferir.