A 1ª das 8 edições do Clássico das Multidões no Estadual de 1999. Imagens: Globo/reprodução.
Seria o primeiro clássico do argentino Mancuso com a camisa do Santa Cruz. O volante havia sido a maior (e mais surpreendente) contratação do estado no ano. O rival na “estreia” seria o atacante Leonardo, em grande fase no Sport. O palco? O gigante de concreto na Avenida Beberibe, sob enorme expectativa.
Nada de ingressos subsidiados pelo governo estadual via “Todos com a Nota” ou “Futebol Solidário”. Só mesmo na bilheteria, com entradas para todos os setores, com arquibancada inferior a R$ 6 e arquibancada superior a R$ 3. Hoje, em maio de 2020, os valores corrigidos seriam de R$ 31,22 e R$ 15,61, respectivamente. E a qualidade técnica levou uma multidão ao Arruda. Dona da casa, a torcida coral compareceu em maioria, mas com os rubro-negros apinhados na arquibancada do lado da Rua das Moças, com uma divisória bem diferente daquela vista no presente – os cavaletes iam à metade do campo.
O jogo começaria às 16h. Desde as 14h já havia empurra-empurra nos portões de entrada. Foi a consequência de uma desorganização histórica, quase mortal. O efetivo da Polícia Militar destacado para o jogo chegou atrasado, acredite. Paralelamente a isso, o clube mandante não conseguiu conter a avalanche de bilhetes “iô-iô” e falsificados (até de Sport x América-MG, do ano anterior!). Na soma disso, torcedores sufocados próximos às catracas. E muita gente pulou, num descontrole quase incalculável. Os portões acabaram sendo fechados.
No Jornal do Commercio no dia seguinte:
“O inferno estabeleceu-se ontem no Arruda. Inferno coral e rubro-negro. Inferno de gente. Gente querendo entrar no estádio, gente desistindo de entrar, espremendo-se nas grades, espremendo-se nos outros, desmaiando, sendo socorrida pelos bombeiros, fugindo da aglomeração. Duas horas antes de a bola começar a rolar, o inferno se formou dentro e fora do Arruda”.
Eis a projeção da PM sobre o público fora do estádio com a partida já em andamento: 15 mil pessoas. Dentro, um recorde infeliz. O maior número de pessoas atendidas nas ambulâncias dentro de um estádio em Pernambuco. Foram 93 torcedores socorridos. Se você não lembra ou não conhecia este episódio, o jogo, um jogaço na verdade, ocorreu em 21 de fevereiro de 1999. Empate em 1 x 1, numa partida válida pelo primeiro turno, de um total de três turnos, mas que ainda é lembrada devido aos dois protagonistas em campo. No borderô oficial, 71.197 pagantes, de um total de 80 mil bilhetes à venda, com uma arrecadação recorde de R$ 312.846. Hoje, R$ 1.628.081. Considerando o público total, 78.391 espectadores. No papel, a capacidade oficial do estádio era de 85 mil pessoas. Cabia mais alguém?
Esta pergunta pautou a imprensa durante a semana seguinte à partida. O Instituto de Pesos e Medidas (Ipem) chegou a ser acionado pela direção da FPF para reavaliar a capacidade do Arruda – e também da Ilha e dos Aflitos. Em vez da medida antiga, calculada com 30 cm de espaço por pessoa, a projeção utilizou a nova determinação da Fifa, de 50 cm, dando mais segurança. A capacidade, portanto, caiu para 60.044 pessoas, ainda o atual limite máximo.
Todos esses fatos foram obtidos nos acervos do Diario de Pernambuco e do JC, ilustrando a dimensão daquela multidão – e aqui faço uma releitura da postagem original do blog. Na edição do DP em 28 de fevereiro de 1999, um off jornalístico intrigante: “Há quem ache, inclusive dirigentes corais, que havia mais de 90 mil espectadores no clássico”. Nos bastidores, ainda há quem ache. A oficialização do número transformaria o jogo no clássico de maior público na história do Recife. Se a marca daquele Clássico das Multidões acabou “relegada” pelos dados oficiais, o mesmo não ocorreu não por quem viveu aquela tarde de domingo.
Num outro dado extraoficial, o recorde entre clubes teria sido registrado na final do Supercampeonato de 1983, entre tricolores e alvirrubros, com 76.636 pagantes e relatos de até 83 mil presentes – mas sem registros do público total. Naquele dia, 60 pessoas foram socorridas. Entretanto, considerando só o borderô oficial, a maior marca fica com Náutico 0 x 2 Sport, em 1998, com 80.203 torcedores no Arruda, todos com acesso através do Todos com a Nota. Se até hoje o recorde do Mundão é questionado, a culpa disso é da quase eterna falta de organização dos jogos na capital. É uma percepção que já se estende por décadas…
Eis algumas reproduções sobre a torcida naquele dia. Aperto, portões fechados e lotação máxima.
Os 10 maiores públicos oficiais no Arruda
1º) 101.670 – Brasil 2 x 0 Argentina (23/03/1994, Amistoso)
2º) 96.990 – Brasil 6 x 0 Bolívia (29/08/1993, Eliminatórias)
3º) 80.203 – Náutico 0 x 2 Sport (15/03/1998, Estadual)
4º) 78.391 – Santa Cruz 1 x 1 Sport (21/02/1999, Estadual)
5º) 76.800 – Brasil 2 x 0 Paraguai (09/07/1989, Copa América)
6º) 76.636 – Santa Cruz (6) 1 x 1 (5) Náutico (18/12/1983, Estadual)
7º) 75.135 – Santa Cruz 1 x 2 Sport (03/05/1998, Estadual)
8º) 74.280 – Santa Cruz 2 x 0 Sport (18/07/1993, Estadual)
9º) 71.243 – Santa Cruz 2 x 1 Náutico (28/07/1993, Estadual)
10º) 70.003 – Santa Cruz 0 x 2 Náutico (11/07/2001, Estadual)
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