Milton Bivar presidiu o leão em 2007/2008 e 2019/2020. Foto: Anderson Stevens/Sport Recife.
Sem dúvida alguma, é uma reviravolta grande no tabuleiro da Ilha do Retiro. Para entender melhor o processo político, vamos primeiro à cronologia. Em 10 de novembro, Milton Bivar confirmou a sua candidatura à reeleição no Sport, visando o biênio 2021/2022. Na ocasião, após um encontro com sete apoiadores, o dirigente informou também o nome do novo vice-presidente executivo. No caso, a chapa teria Manoel Veloso, então vice jurídico, no lugar de Carlos Frederico, numa sinalização de “juventude” no clube. Os demais membros ainda seriam anunciados.
A seguir, um trecho do texto publicado no site oficial do clube (por sinal, considerei injusto, até que as demais candidaturas tenham o mesmo espaço para o anúncio).
“Apesar de afadigado, Milton atendeu ao apelo de vários grupos rubro-negros para sua permanência e da sua gestão íntegra, que vem sendo feita no Clube para que o Sport possa ressurgir administrativa e financeiramente nos próximos anos. Além de assumir esse compromisso, o presidente assume a renovação de quadros e a inclusão de jovens competentes, que terão mentoria para seguir nos principais cargos do Clube e, assim, atingir a tão desejada renovação no Sport.”
De lá pra cá, o processo sucessório no leão esquentou. Dois nomes já haviam sido confirmados, os de Luiz Carlos Belém e Eduardo Carvalho – este, inclusive, derrotado pelo próprio Milton em 2018. Na oposição, entretanto, acabou ganhando força o nome de Nelo Campos, que chegou a ser diretor de futebol da gestão atual. Na minha visão, esta seria a candidatura mais sólida para concorrer contra a situação. Até o fato novo, em 19 de novembro. Passados nove dias, o presidente rubro-negro surpreendeu ao publicar uma carta aberta, novamente no site rubro-negro, anunciando a sua saída do processo sucessório.
“Uma gestão exitosa, reconhecida por todos, até nossos adversários. Mesmo assim, durante este período, fomos alvo de incompreensões, também de rubro-negros, alguns com interesses na política partidária, outros movidos por vaidades e alguns até por outros interesses, todos com pouca ou nenhuma compreensão do momento vivido pelo clube. Por não saber lidar com a política, que às vezes vem acompanhada de interesses pouco legítimos, prefiro me ausentar do processo sucessório do clube neste final de ano. Reforço que cumpri até o fim a missão a qual me propus. Faço um agradecimento a todos que me ajudaram nessa caminhada, meu vice-presidente executivo, meus vice-presidentes e diretores, todos os assessores, funcionários e atletas, que defenderam as nossas cores incondicionalmente. Enfim, pessoalmente, depois desses dois anos, me sinto desgastado física e emocionalmente. Preciso cuidar de meus assuntos pessoais, de minha saúde e dos meus negócios, que ficaram relegados em segundo plano neste período. Pretendo inclusive morar um tempo fora.”
Aos 68 anos, com dois mandatos no Sport, acumulando três títulos estaduais (2007, 2008 e 2019) e uma Copa do Brasil (2008), Bivar era um favorito natural. Primeiro porque, num bate-chapa concreto, a oposição só venceu uma eleição na Ilha, no distante ano de 1986 – Homero bateu Wanderson. O próprio Milton foi oposição em 2018, mas naquela ocasião a situação, após o trágico mandato de Arnaldo Barros, sequer alinhou uma chapa. Segundo porque, apesar de alguns erros pelo caminho, o resultado no futebol foi acima do esperado, com um acesso tranquilo (num ano de colapso) e uma disputa real pela permanência na Série A (não parecia sequer haver essa perspectiva, a partir de um orçamento pré-pandemia de R$ 77,5 milhões). Claro, a composição da direção do futebol enfrentou barreiras, devido às visões arcaicas de alguns componentes, num cenário do qual Milton não abriu mão.
Também não houve uma revolução em termos de transparência, conforme prometido, mas ao menos havia o reconhecimento quanto a essa demanda – eu mesmo já questionei Milton sobre isso. Mas o trabalho na área financeira foi de fato considerável. Com a sua saída e a rejeição de alguns integrantes da atual gestão, a disputa aquece bastante, inclusive na movimentação da oposição por uma nova costura, na qual as alianças podem ser decisivas para alavancar ou minar – afinal, a torcida deverá cobrar o histórico de cada integrante da mesma forma que cobra a situação. E a situação? Manoel Veloso sobe mais um degrau ou será preciso um freio de arrumação na articulação? E nem há muito tempo para dúvidas, pois o pleito irá ocorrer, possivelmente, na segunda quinzena de dezembro. Sobre a saída de Milton em si, lamento a forma, sobretudo porque trata-se de um dos dirigentes mais vitoriosos do futebol pernambucano, que, apesar da longa vivência, ainda é passível de abalo moral.
Num clube cuja vida esportiva vai bem além do futebol, a política parece ser a segunda modalidade preferida. No Sport, o bate-chapa em 2020 será o 8º consecutivo. O próprio Milton Bivar foi eleito duas vezes em enfrentamentos nas urnas. Há décadas a falta de consenso é vista como algo natural no Sport. Caso a disputa fosse sempre salutar, isso seria um elogio. No Sport, no entanto, quase nunca é… E haja entrelinhas para compreender grandes decisões.
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